O inferno de Gabriel - Sylvain Reynard
(Série O inferno de Gabriel 01)
Trecho do livro:
"Capítulo Um
A voz do professor Gabriel Emerson ecoou pela sala de aula até a atraente jovem de olhos castanhos sentada no fundo, imersa em seus pensamentos, de cabeça baixa, escrevendo furiosamente num caderno:
– Srta. Mitchell?
Dez pares de olhos se viraram para seu rosto pálido, de cílios longos, e para seus dedos brancos que seguravam a caneta com força. Em seguida, os mesmos dez pares de olhos voltaram ao professor, totalmente imóvel e de cara feia. Sua severidade contrastava com a simetria de seus traços, com os olhos grandes e expressivos e os lábios grossos. Ele tinha uma beleza rústica, mas, naquele momento, amargamente séria, o que comprometia o efeito agradável de sua aparência. A jovem ouviu alguém pigarrear discretamente à sua esquerda. Olhou, surpresa, para o homem de ombros largos sentado ao seu lado. Ele sorriu e lançou um olhar para o professor na frente da sala. Ela acompanhou seu olhar lentamente, deparando com um par de olhos azuis penetrantes e zangados. Engoliu em seco.
– Estou esperando que responda à minha pergunta, Srta. Mitchell. Se estiver disposta a se juntar a nós.
– Sua voz era glacial, como os olhos. Os demais alunos da pós-graduação se remexeram em suas cadeiras e trocaram olhares furtivos. Suas expressões diziam: Que bicho mordeu o professor hoje? Mas eles ficaram calados. (Todos sabem que alunos da pós detestam confrontar os professores por qualquer assunto que seja quanto mais por grosserias.) A jovem abriu a boca por um instante, mas tornou a fechá-la, fitando aqueles olhos azuis que a encaravam sem piscar, seus próprios olhos arregalados como os de um coelho assustado.
– Inglês é sua língua materna? – zombou ele.
Uma mulher de cabelos muito pretos sentada à direita do professor tentou abafar uma risada, transformando-a numa tosse nada convincente. Todos os olhos recaíram de novo sobre a coelhinha assustada. Sua pele adquiriu um tom vermelho vivo e ela abaixou a cabeça, finalmente escapando do olhar do professor.
– Já que a Srta. Mitchell parece estar concentrado em uma aula paralela numa língua estrangeira, alguém poderia fazer a gentileza de responder à minha pergunta?
A beldade à sua direita parecia ansiosa para fazer isso. Ela se virou para encará-lo e, radiante, respondeu à pergunta nos mínimos detalhes, exibindo-se ao gesticular enquanto citava Dante no original em italiano. Quando terminou, lançou um sorriso ácido para o fundo da sala. Depois ergueu os olhos para o professor e suspirou. Só faltou se jogar no chão e roçar nas pernas do professor para mostrar que ela seria seu bichinho de estimação para sempre. (Não que ele fosse gostar disso.) O professor franziu a testa de modo quase imperceptível, para ninguém em especial, e se virou para escrever no quadro. A coelhinha assustada pestanejou para conter as lágrimas e voltou a escrever. Graças a Deus, não chorou. Poucos minutos depois, enquanto o professor continuava sua lenga-lenga sobre o conflito entre os guelfos e os gibelinos, um pedaço de papel dobrado surgiu em cima do dicionário de italiano da coelhinha assustada. A princípio, ela não notou, mas o homem bonito ao seu lado pigarreou baixinho, chamando novamente sua atenção. Ele abriu um sorriso mais largo, quase impaciente, e baixou os olhos para o papel. Ela o viu e piscou. Observando com cautela as costas do professor, que circulava diversas palavras em italiano, levou o papel até o colo, onde o desdobrou discretamente.
Emerson é um babaca.
Ninguém teria notado, porque o homem ao seu lado era o único que estava olhando para ela. Mas, assim que leu essas palavras, o rosto dela corou de uma maneira diferente, duas nuvens cor-de-rosa surgindo na curva de suas faces, e ela sorriram. Não o suficiente para mostrar os dentes nem covinhas ou uma ou outra marca de expressão, mas ainda assim um sorriso. Ela ergueu os olhos grandes para encará-lo, tímida. Um sorriso rasgado e simpático se espalhou pelo rosto dele.
– O que há de tão engraçado, Srta. Mitchell?
Seus olhos castanhos se dilataram de pavor. O sorriso de seu novo amigo desapareceu rapidamente ao se virar para encarar o professor. Ela já sabia que seria melhor não olhar para aqueles olhos azuis e frios. Em vez disso, baixou a cabeça, mordeu o lábio inferior e começou a arrastá-lo de um lado para o outro.
– A culpa é minha, professor. Apenas perguntei em que página estávamos – intercedeu o homem simpático em favor dela.
– Essa não é uma pergunta apropriada para um doutorando, Paul. Mas, se quer saber, acabamos de começar o primeiro canto. Creio que consiga encontrá-lo sem a ajuda da Srta. Mitchell. Ah, e... Srta. Mitchell? O rabo de cavalo da coelhinha assustada tremeu de forma quase imperceptível quando ela levantou a cabeça.
– Vá até a minha sala depois da aula."
Fonte: Saraiva.