Belo desastre - Jamie McGuire - Capítulo 1

Livro "Belo Desastre", de Jamie McGuire, da Série Beautiful Disaster.

Livro 01.

Capítulo 1
      
 "Era como se tudo naquela saída berrasse para mim dizendo que ali não era o meu lugar. As escadas se desfazendo, aquele alvoroço de clientes briguentos, e o ar, uma mescla de suor, sangue e mofo. As vozes viravam borrões enquanto as pessoas gritavam números e nomes, num constante vaivém, acotovelando-se para trocar dinheiro e gesticulando para se comunicar em meio a tanto barulho. Passei espremida pela multidão, logo atrás da minha melhor amiga.
— Deixe o dinheiro na carteira, Abby! — América gritou para mim. 

Seu largo sorriso reluzia mesmo sob aquela fraca iluminação.
— Fiquem por perto! Vai ficar pior assim que começar! — Shepley avisou, bem alto para ser ouvido.
América segurou a mão dele e depois a minha, enquanto Shepley nos guiava em meio àquele mar de gente.
O som agudo de um megafone cortou o ar repleto de fumaça. O ruído me deixou alarmada. Tive um sobressalto e comecei a procurar de onde vinha aquela rajada sonora. Um homem estava em pé sobre uma cadeira de madeira, com um rolo de dinheiro em uma das mãos e o megafone na outra, colado à boca.
— Sejam bem-vindos ao banho de sangue! Se estão em busca de uma aula de economia... estão na merda do lugar errado, meus amigos! Mas se buscam O Círculo, aqui é a meca! Meu nome é Adam. Sou eu que faço as regras e convoco as lutas. As apostas terminam assim que os oponentes estiverem no chão. Nada de encostar nos lutadores, nem ajudar, nem mudar a aposta no meio da luta, muito menos invadir o ringue. Se quebrarem essas regras, vocês serão esmagados, espancados e jogados pra fora sem nenhum dinheiro e isso vale pra vocês também, meninas. Então, não usem suas putinhas para fraudar o sistema, caras!
Shepley balançou a cabeça.
— Que é isso, Adam! — ele gritou para o mestre de cerimônias, em clara desaprovação à escolha de palavras do amigo.
Meu coração batia forte dentro do peito. Com um cardigã de cashmere cor-de-rosa e brincos de pérola, me sentia uma velha professora nas praias da Normandia. Eu havia prometido a América que conseguiria lidar com o que quer que acontecesse com a gente, mas, naquele lugar imundo, senti uma necessidade urgente de agarrar seu braço magro com ambas as mãos. Ela não me colocaria em perigo, mas estar em um porão com mais ou menos cinquenta universitários bêbados, sedentos por sangue e dinheiro... Bem, eu não estava exatamente confiante quanto às nossas chances de sair dali ilesas.
Depois que América conheceu Shepley durante a recepção aos calouros, com frequência ela o acompanhava às lutas secretas que aconteciam em diferentes porões da Universidade Eastern. Cada evento era realizado em um local diferente, que permanecia secreto até exatamente uma hora antes da luta.
Como eu frequentava círculos bem mais comportados, fiquei surpresa ao tomar conhecimento do submundo da Eastern; mas Shepley já sabia daquele mundo antes mesmo de ter se juntado a ele. Travis, o primo e colega de quarto dele, participara de sua primeira luta sete meses atrás. Como calouro, os rumores diziam que ele era o competidor mais letal que Adam tinha visto nos três anos desde a criação do Círculo. Quando começou o segundo ano, Travis era imbatível. Juntos, ele e Shepley pagavam o aluguel e as contas com o que ganhavam nas lutas, fácil, fácil.
Adam levou o megafone à boca de novo, e os gritos e movimentos aumentaram em um ritmo febril.
— Nesta noite temos um novo desafiante! O lutador de luta livre e astro da Bastem, Marek Young!
Seguiram-se aplausos e gritos eufóricos da torcida. A multidão se partiu como o mar Vermelho quando Marek entrou na sala. Formou-se um círculo, como uma clareira, e a galera assobiava, vaiava e zombava do concorrente. Ele deu uns pulinhos para se preparar e girou o pescoço de um lado para o outro; o rosto estava sério e compenetrado. A multidão se aquietou, só restando um rugido abafado. Levantei as mãos depressa para tampar os ouvidos quando a música começou a retumbar, altíssima, nos grandes alto-falantes do outro lado da sala.
— Nosso próximo lutador dispensa apresentações, mas, como eu morro de medo dele, vou apresentar o cara mesmo assim! Tremam nas bases, rapazes, e fiquem de quatro, meninas! Com vocês, Travis “Cachorro Louco” Maddox!
Houve uma explosão de sons quando Travis apareceu do outro lado da sala, sem camisa, relaxado e confiante. Foi caminhando a passos largos até o centro do círculo, como se estivesse se apresentando para mais um dia de trabalho. Com os músculos firmes estirados sob a pele tatuada, cumprimentou Marek, estalando os punhos cerrados nos nós dos dedos do oponente. Travis se inclinou para frente e sussurrou algo no ouvido de Marek, que fez um grande esforço para manter a expressão austera. Ele estava muito próximo de Travis, pronto para o combate. Os dois se encaravam. A expressão de Marek era assassina; Travis parecia achar um pouco de graça em tudo aquilo.
Os adversários deram uns passos para trás, e Adam fez o som que dava início à luta. Marek assumiu uma postura defensiva e Travis partiu para o ataque. Fiquei na ponta dos pés quando perdi a linha de visão, apoiando-me em quem quer que fosse para conseguir enxergar melhor o que estava acontecendo. Consegui ver alguns centímetros acima, deslizando por entre a multidão que gritava. Cotovelos golpeavam as laterais do meu corpo e ombros esbarravam em mim, fazendo com que eu ricocheteasse de um lado para o outro, como uma bolinha de pinball. Quando consegui ver o topo da cabeça de Marek e Travis, continuei abrindo caminho na base do empurrão.
Quando enfim cheguei lá na frente, Marek tinha agarrado Travis com seus braços grossos e tentava jogá-lo no chão. Quando ele se inclinou para fazer esse movimento, Travis deu uma joelhada no rosto de Marek. Antes que ele pudesse se recuperar, Travis o atacou — repetidas vezes, os punhos cerrados socavam o rosto ensanguentado de Marek.
Senti cinco dedos se afundarem em meu braço e virei à cabeça para ver quem era.
— Que diabos você está fazendo aqui, Abby? — disse Shepley.
— Não consigo ver nada lá de trás!— gritei em resposta.
E então me virei bem a tempo de ver Marek tentar acenar Travis com um soco poderoso, ao que este se virou. Por um instante, achei que ele tinha desviado de outro golpe, mas ele fez um círculo completo e esmagou com o cotovelo o nariz do adversário. Cotas de sangue borrifaram o meu rosto e se espalharam no meu cardigã. Marek caiu no chão de cimento com um som oco, e, por um breve momento, a sala ficou totalmente em silêncio.
Adam jogou um quadrado de pano vermelho sobre o corpo caído de Marek, e a multidão explodiu. O dinheiro mudou de mãos novamente, e as expressões se dividiam entre orgulhosos e frustrados.
Fui empurrada com todo aquele movimento de gente indo e vindo. América gritou meu nome de algum lugar lá atrás, mas eu estava hipnotizada pela trilha vermelha que ia do meu peito até a cintura.
Um pesado par de botas pretas parou diante de mim, desviando minha atenção para o chão. Meus olhos foram se voltando para cima: jeans manchado de sangue, músculos abdominais bem definidos, um peito tatuado ensopado de suor e, finalmente, um par de cálidos olhos castanhos. Fui empurrada, mas Travis me segurou pelo braço antes que eu caísse.
— Ei! Cuidado com ela! — ele franziu a testa, enxotando qualquer um que chegasse perto de mim.
A expressão séria se derreteu em um sorriso quando ele viu minha blusa. Limpando meu rosto com uma toalha, ele me disse:
— Desculpe por isso, Beija-Flor.
Adam deu uns tapinhas na nuca de Travis.
— Vamos lá, Cachorro Louco! Tem uma galera esperando por você!
Os olhos dele não se desviaram dos meus.
— Uma pena ter manchado seu suéter. Fica tão bem em você...
No instante seguinte, ele foi engolfado pelos fãs, desaparecendo da mesma maneira como tinha aparecido.
— No que você estava pensando, sua imbecil? — gritou América, me puxando pelo braço.
— Vim até aqui para ver uma luta, não foi? — respondi, sorrindo.
— Você nem devia estar aqui, Abby — disse Shepley em tom de bronca.
— Nem a América — retruquei.
— Mas ela não tenta pular dentro do círculo! — disse ele, franzindo a testa. —Vamos!
América sorriu para mim e limpou meu rosto.
— Você é um pé no saco, Abby, mas mesmo assim eu te amo! Ela me abraçou e fomos embora.
América me acompanhou até o quarto, no dormitório da faculdade, e olhou com desprezo para minha colega, Kara. Imediatamente tirei o cardigã e o joguei no cesto de roupa suja.
— Que nojo! Por onde você andou? — Kara perguntou, sem sair da cama.
Olhei para América, que deu de ombros.
— Sangramento de nariz. Você nunca viu os famosos sangramentos de nariz da Abby?
Kara ajeitou os óculos e balançou a cabeça em negativa.
— Ah, então vai ver — ela disse, dando uma piscadela para mim e fechando a porta depois de sair. Nem um minuto tinha se passado e ouvi o som indicando uma mensagem de texto no meu celular. Como de costume, era América me enviando uma mensagem segundos depois de nos despedirmos.
vou ficar com o shep t vejo amanhã rainha do ringue
Dei uma espiada em Kara, que me olhava como se sangue fosse jorrar do meu nariz a qualquer instante.
— Ela estava brincando — falei.
Kara assentiu com indiferença e depois baixou o olhar para a bagunça de livros espalhados na cama.
— Acho que vou tomar um banho — falei, pegando uma toalha e meu nécessaire.
— Vou avisar os jornais — ela respondeu, sem emoção alguma na voz e mantendo a cabeça baixa.
No dia seguinte, fui almoçar com Shepley e América. Eu queria ficar sozinha, mas, conforme os alunos foram entrando no refeitório, as cadeiras à minha volta foram ficando cheias de amigos da fraternidade do Shepley e de membros do time de futebol americano. Alguns estavam na luta, mas ninguém mencionou minha experiência na beira do ringue.
— Shep — disse alguém que passava.
Shepley assentiu, e tanto América quanto eu nos viramos e vimos Travis se sentando em um lugar na ponta oposta da mesa. Duas voluptuosas loiras tingidas com camiseta da Sigma Kappa o acompanhavam. Uma delas se sentou no colo dele, e a outra lhe acariciava a camisa.
— Acho que acabei de vomitar um pouquinho — murmurou América.
A loira que estava no colo do Travis se virou para ela:
— Eu ouvi o que você disse, piranha.
América pegou um pãozinho e o jogou, errando por muito pouco o rosto da garota. Antes que a loira pudesse dizer mais alguma coisa, Travis abriu as pernas e a garota caiu no chão.
— Ai! — disse ela em um grito agudo, erguendo o olhar para Travis.
— A América é minha amiga. Você precisa encontrar outro colo pra se sentar, Lex.
— Travis! — ela reclamou, esforçando-se para ficar em pé.
Ele voltou à atenção para o prato, ignorando a garota, que olhou para a irmã e bufou de raiva. As duas foram embora de mãos dadas.
Travis deu uma piscadela para América e, como se nada tivesse acontecido, enfiou mais uma garfada na boca. Foi aí que notei um pequeno corte na sobrancelha dele. Ele e Shepley trocaram olhares de relance, e então ele começou uma conversa com um dos caras do futebol do outro lado da mesa.
Embora a quantidade de pessoas à mesa tivesse diminuído, América, Shepley e eu ficamos lá ainda um tempo para discutir nossos planos para o fim de semana. Travis se levantou como se fosse embora, mas parou na nossa ponta da mesa.
— Que foi? — Shepley perguntou em voz alta, colocando a mão perto do ouvido.
Tentei ignorá-lo quanto pude, mas, quando ergui o olhar, Travis estava me encarando.
— Você conhece ela, Trav. A melhor amiga da América, lembra? Ela estava com a gente na outra noite — disse Shepley.
Travis sorriu para mim, no que presumi ser sua expressão mais charmosa. Ele transbordava sexo e rebeldia, com aqueles antebraços tatuados e os cabelos castanhos cortados bem rente à cabeça. Revirei os olhos à sua tentativa de me seduzir.
— Desde quando você tem uma melhor amiga, Mare? — perguntou Travis.
— Desde o penúltimo ano da escola — ela respondeu, pressionando os lábios enquanto sorria na minha direção. — Você não lembra, Travis? Você destruiu o suéter dela.
Ele sorriu.
— Eu destruo muitos suéteres.
— Que nojo - murmurei.
Travis girou a cadeira vazia que estava ao meu lado e se sentou, descansando os braços à sua frente.
— Então você é a Beija-Flor, né?
— Não — respondi com raiva —, eu tenho nome.
Ele parecia se divertir com a forma como eu o encarava, o que só servia para me deixar mais irritada.
— Tá. E qual é seu nome? — ele me perguntou.
Dei uma mordida no que tinha sobrado da maçã no meu prato, ignorando-o.
— Então vai ser Beija-Flor — disse ele, dando de ombros.
Ergui o olhar de relance para a América, depois me virei para o Travis:
— Estou tentando comer.
Ele topou o desafio que apresentei.
— Meu nome é Travis. Travis Maddox.
Revirei os olhos.
— Sei quem você é.
— Sabe, é? — ele falou, erguendo a sobrancelha ferida.
— Não seja tão convencido. É difícil não perceber quando cinquenta bêbados entoam seu nome.
Travis se endireitou na cadeira, ficando um pouquinho mais alto.
— Isso acontece muito comigo.
Revirei os olhos de novo e ele deu uma risadinha abafada.
— Você tem um tique?
— Um quê?
— Um tique. Seus olhos ficam se revirando.
Travis riu de novo quando olhei com ódio para ele.
— Mas são olhos incríveis — ele disse, inclinando-se e ficando a pouquíssimos centímetros do meu rosto. — De que cor eles são? Cinza?
Baixei o olhar para o prato, criando uma espécie de cortina entre a gente com as longas mechas do meu cabelo cor de caramelo. Eu não gostava da forma como ele me fazia sentir quando estava tão perto. Não queria ser como as outras milhares de garotas da Eastern, que ficavam ruborizadas na presença dele. Não queria que ele mexesse comigo daquele jeito. De jeito nenhum.
— Nem pense nisso, Travis. Ela é como uma irmã pra mim —América avisou.
— Baby — Shepley disse a ela —, você acabou de lhe dizer não. Agora é que ele não vai parar.
— Você não faz o tipo dela — América disse, mudando de estratégia.
Travis se fez de ofendido.
— Eu faço o tipo de todas!
Lancei um olhar para ele e sorri.
— Ah! Um sorriso. Não sou um canalha completo no fim das contas — ele disse e piscou. — Foi um prazer conhecer você, Flor.
E, dando a volta na mesa, ele se inclinou para dizer algo no ouvido de América.
Shepley jogou uma batata frita no primo.
— Tire a boca da orelha da minha garota, Trav!
— Conexões! Estou criando conexões — Travis foi andando de costas, com as mãos para cima em um gesto inocente.
Algumas garotas o seguiram, dando risadinhas e passando os dedos nos cabelos na tentativa de chamar sua atenção. Ele abriu a porta para elas, que quase gritaram de prazer.
América deu risada.
— Ah, não. Você está numa enrascada, Abby.
— O que foi que ele disse? — perguntei, temerosa.
— Ele quer que você leve a Abby ao nosso apartamento, não é? — disse Shepley.
América confirmou com um sinal de cabeça e ele negou com outro.
— Você é uma garota inteligente, Abby. Estou te avisando. Se você cair no papo dele e depois acabar ficando brava, não venha descontar em mim e na América, certo?
Eu sorri e disse:
— Não vou cair na dele, Shep. Você acha que eu pareço uma daquelas Barbies gêmeas?
— Ela não vai cair na dele — América confirmou, tranquilizando Shep e encostando no braço dele.
— Não é a primeira vez que passo por uma dessas, Mare. Você sabe quantas vezes ele ferrou as coisas pro meu lado por causa de transas de uma noite com a melhor amiga da minha namorada? De repente, vira conflito de interesse sair comigo, porque seria confraternizar com o inimigo! Estou te falando, Abby — ele olhou para mim. — Não venha me dizer depois que a Mare não pode ir no meu apartamento nem ser minha namorada porque você caiu no papo do Trav. Considere-se avisada.
— Desnecessário, mas obrigada — respondi.
Tentei tranquilizar Shepley com um sorriso, mas o pessimismo dele era resultado de muitos anos de prejuízo por causa do Travis.
América se despediu de mim com um aceno, saindo com Shepley enquanto eu seguia para a aula da tarde. Apertei os olhos para enxergar sob o sol brilhante, segurando com força as tiras da mochila. A Eastern era exatamente o que eu esperava, desde as salas de aula menores até os rostos desconhecidos. Era um novo começo para mim. Finalmente eu podia andar em algum lugar sem os sussurros daqueles que sabiam — ou achavam que sabiam — alguma coisa do meu passado. Eu era tão comum quanto qualquer outra caloura ingênua e estudiosa, sem ninguém para me encarar, sem boatos, nada de pena ou julgamento. Apenas a ilusão do que eu queria que vissem: a Abby Abernathy que vestia cashmere sem nenhum resquício de insensatez.
Coloquei a mochila no chão e desabei na cadeira, me curvando para pegar o laptop na mochila. Quando ergui a cabeça para colocá-lo na mesa, Travis se sentou sorrateiramente na carteira ao lado.
— Que bom. Você pode tomar notas pra mim — disse ele, mordendo uma caneta e sorrindo, sem dúvida com o máximo de seu charme.
Meu olhar para ele foi de desprezo.
— Você nem está matriculado nessa aula...
— Claro que estou! Geralmente eu sento lá — disse ele, apontando com a cabeça para a última fileira.
Um pequeno grupo de garotas estava me encarando, e percebi que havia uma cadeira vazia bem no meio delas.
— Não vou anotar nada pra você — eu disse, ligando o computador. Travis se inclinou tão perto de mim que eu podia sentir sua respiração na minha bochecha.
— Me desculpa... Ofendi você de alguma maneira?
Soltei um suspiro e fiz que não com a cabeça.
— Então qual é o problema?
Mantive o tom de voz baixo.
— Não vou transar com você. Pode desistir.
Um lento sorriso se formou em seu rosto antes de ele se pronunciar.
— Não pedi para você transar comigo — pensativo, os olhos dele se voltaram para o teto —, ou pedi?
— Não sou uma dessas Barbies gêmeas nem uma de suas fãs ali — respondi, olhando de relance para as garotas atrás de nós. — Não estou impressionada com as suas tatuagens, nem com o seu charme de garotinho, nem com a sua indiferença forçada, então pode parar com as gracinhas, ok?
— Ok, Beija-Flor.
Ele ficou impassível diante da minha atitude rude, de um jeito que me enfureceu.
— Por que você não passa lá no meu apê com a América hoje à noite?
Olhei com desdém para ele, que se aproximou ainda mais.
— Não estou tentando te comer. Só quero passar um tempo com você.
— Me comer? Como você consegue fazer sexo falando assim?
Travis caiu na gargalhada, balançando a cabeça.
— Só vem, tá? Não vou nem te paquerar, prometo.
— Vou pensar
O professor Chaney entrou a passos largos, e Travis voltou à atenção para frente da sala. Resquícios de um sorriso permaneciam em seu rosto, tomando mais nítida a covinha da bochecha. Quanto mais ele sorria, mais eu queria odiá-lo, e no entanto era esse o motivo pelo qual odiá-lo era impossível.
— Quem sabe me dizer que presidente teve uma esposa vesga e feia de doer? — perguntou Chaney.
— Anota isso — sussurrou Travis. — Vou precisar saber disso pra usar nas entrevistas de emprego.
— Shhh — falei, digitando cada palavra dita pelo professor.
Travis abriu um largo sorriso e relaxou na cadeira. Conforme a hora passava, ele alternava entre bocejar e se apoiar no meu braço para dar uma olhada no monitor do meu laptop. Eu me concentrei, me esforcei para ignorá-lo, mas a proximidade dele e aqueles músculos saltando de seu braço tornavam a tarefa difícil. Ele ficou mexendo na faixa de couro preta que tinha em volta do pulso até que Chaney nos dispensou.
Eu me apressei porta afora e atravessei o corredor. Justo quando tive certeza de que estava a uma distância segura, Travis Maddox apareceu ao meu lado.
— Já pensou no assunto? — ele quis saber, colocando os óculos de sol.
Uma morena baixinha parou à nossa frente, ingênua e cheia de esperança.
— Oi, Travis — ela disse em um tom cantado e brincando com os cabelos.
Parei, exasperada com o tom meloso dela, e então desviei da garota, que eu já tinha visto antes, conversando de maneira normal na área comum do dormitório das meninas, o Morgan Hall. O tom que ela usava lá soava muito mais maduro, e fiquei me perguntando por que ela acharia que a voz de uma criancinha seria atraente para Travis. Ela continuou tagarelando uma oitava acima por mais um tempo, até que ele estava ao meu lado de novo.
Puxando um isqueiro do bolso, ele acendeu um cigarro e soprou uma espessa nuvem de fumaça.
— Onde eu estava? Ah, é... você estava pensando.
Fiz uma careta.
— Do que você está falando?
— Já pensou se vai dar uma passada lá em casa hoje?
— Se eu disser que vou, você para de me seguir?
Ele ponderou sobre a minha condição e então assentiu.
— Sim.
— Então eu vou.
— Quando?
Soltei um suspiro.
— Hoje à noite. Vou passar lá hoje à noite.
Travis sorriu e parou de andar por um instante.
— Legal. A gente se vê depois então, Flor — ele me disse.
Virei uma esquina e vi América parada com Finch do lado de fora do nosso dormitório. Nós três acabamos ficando na mesma mesa durante a orientação aos calouros, e eu soube na hora que ele seria o providencial terceiro elemento da nossa amizade. Ele não era muito alto, mas passava bem dos meus 1,62 metro. Os olhos redondos equilibravam as feições longas e esguias, e os cabelos descoloridos geralmente estavam espetados na parte da frente.
— Travis Maddox? Meu Deus, Abby, desde quando você começou a pescar nas profundezas do oceano? — Finch perguntou, com um olhar de desaprovação.
América puxou o chiclete da boca, fazendo um fio bem longo.
— Você só está piorando as coisas ao rejeitar o cara. Ele não está acostumado com isso.
— O que você sugere que eu faça? Durma com ele?
América deu de ombros.
— Vai poupar tempo.
— Eu disse pra ele que vou lá hoje à noite.
Finch e América trocaram olhares de relance.
— Que foi? Ele prometeu parar de me encher se eu dissesse que ia. Você vai lá hoje à noite, não é?
— É, vou — disse América. — Você vem mesmo?
Sorri e fui andando. Passei por eles e entrei no dormitório, me perguntando se Travis cumpriria a promessa de não flertar comigo. Não era difícil sacar qual era a dele: ou ele me via como um desafio, ou como sem graça o bastante para ser apenas uma boa amiga. Eu não tinha certeza de qual das alternativas me incomodava mais.
Quatro horas depois, América bateu à minha porta para me levar até o apartamento do Shepley e do Travis. Ela não se conteve quando apareci no corredor.
— Credo, Abby! Você está parecendo uma mendiga
— Que bom — eu disse, sorrindo para o meu visual.
Meus cabelos estavam aglomerados no topo da cabeça em um coque bagunçado. Eu tinha tirado a maquiagem e substituído às lentes de contato por óculos retangulares de aros pretos. Vestindo uma camiseta bem velha e gasta e uma calça de moletom, eu me arrastava em um par de chinelos. A ideia me viera à mente horas antes: parecer desinteressante era a melhor estratégia. O ideal seria que Travis perdesse instantaneamente o interesse em mim e colocasse um ponto final em sua ridícula persistência. E, se ele estivesse em busca de uma amiga, meu objetivo era parecer desleixada demais até para isso.
América baixou a janela do carro e cuspiu o chiclete.
— Você é óbvia demais. Por que não rolou no cocô de cachorro para completar o visual?
— Não estou tentando impressionar ninguém — falei.
— É óbvio que não.
Paramos o carro no estacionamento do conjunto de apartamentos onde o Shepley morava e segui América até a escadaria. Ele abriu a porta, rindo enquanto eu entrava.
— O que aconteceu com você?
— Ela está tentando não impressionar — disse América.
Ela seguiu Shepley em direção ao quarto dele. Eles fecharam a porta e eu fiquei ali parada, sozinha, me sentindo deslocada. Sentei-me na cadeira reclinável mais próxima da porta e chutei longe os chinelos.
Em termos estéticos, o apartamento deles era mais agradável do que um apartamento típico de homens solteiros. Sim, os previsíveis pôsteres de mulheres seminuas e sinais de rua roubados estavam nas paredes, mas o lugar era limpo, os móveis, novos, e o cheiro de cerveja velha e roupa suja notavelmente não existia.
— Já estava na hora de você aparecer — disse Travis, se jogando no sofá.
Sorri e ajeitei os óculos, esperando que ele recuasse diante da minha aparência.
— A América teve que terminar um trabalho da faculdade.
— Falando em trabalhos de faculdade, você já começou aquele de história?
Ele nem pestanejou ao ver meu cabelo despenteado, e franzi a testa com a reação dele.
— Você já?
— Terminei hoje à tarde.
— Mas é pra ser entregue só na próxima quarta-feira — falei, surpresa.
— Achei melhor fazer logo. Um ensaio de duas páginas sobre o Grant não é tão difícil assim.
— Acho que sou dessas que ficam adiando — dei de ombros. — Provavelmente só vou começar no fim de semana.
— Bom, se precisar de ajuda, é só me falar.
Esperei que ele desse risada ou fizesse algum sinal de que estava brincando, mas sua expressão era sincera. Ergui uma sobrancelha.
— Você vai me ajudar com o meu trabalho.
— Eu só tiro A nessa matéria — ele disse, um pouco ofendido com a minha descrença.
— Ele tira A em todas as matérias. Ele é uma droga de um gênio! Odeio esse cara — disse Shepley, enquanto levava América pela mão até a sala de estar.
Fiquei olhando para o Travis com uma expressão dúbia e ele ergueu as sobrancelhas.
— Que foi? Você não acha que um cara cheio de tatuagens e que ganha dinheiro brigando pode ter boas notas? Não estou na faculdade por não ter nada melhor pra fazer.
— Mas então por que você tem que lutar? Por que não tentou uma bolsa de estudos? — perguntei.
— Eu tentei. Consegui meia bolsa. Mas tem os livros, as despesas com moradia, e tenho que conseguir a outra metade do dinheiro de algum jeito. Estou falando sério, Flor. Se precisar de ajuda com alguma coisa, é só me pedir.
— Não preciso da sua ajuda. Consigo fazer um trabalho sozinha.
Eu queria deixar aquilo pra lá. Devia ter deixado, mas aquele novo lado dele me matava de curiosidade.
— Você não consegue fazer outra coisa para ganhar dinheiro? Menos... sei lá... sádica?
Travis deu de ombros.
— É um jeito fácil de ganhar uma grana. Não conseguiria tanto assim trabalhando no shopping.
— Eu não diria que é fácil apanhar.
— O quê? Você está preocupada comigo? — ele deu uma piscadela. Fiz uma careta e ele deu uma risadinha abafada. — Não apanho com tanta frequência assim. Quando o adversário dá um golpe, eu desvio. Não é tão difícil como parece.
Dei risada.
— Você age como se ninguém mais tivesse chegado a essa conclusão.
— Quando dou um soco, eles levam o soco e tentam me bater de volta. Não é assim que se ganha uma luta.
Revirei os olhos.
— Quem é você... o garoto do Karate Kid? Onde aprendeu a lutar?
Shepley e América olharam de relance um para o outro e depois para o chão. Não demorou muito para eu perceber que tinha dito algo errado.
Travis não pareceu se incomodar.
— Meu pai tinha problemas com bebida e um péssimo temperamento, e meus quatro irmãos mais velhos herdaram o gene da idiotice.
— Ah.
Minhas orelhas ardiam.
— Não fique constrangida, Flor. Meu pai parou de beber e meus irmãos cresceram.
— Não estou constrangida.
Fiquei mexendo nas mechas que se desprendiam do meu cabelo e então decidi soltar tudo e fazer outro coque, tentando ignorar o silêncio embaraçoso.
— Gosto desse seu lance natural. As garotas não costumam vir aqui assim.
— Fui coagida a vir até aqui. Não me passou pela cabeça impressionar você— respondi, irritada por meu plano ter falhado.
Ele abriu aquele sorriso largo dele, divertido, meio infantil, e fiquei com mais raiva, na esperança de disfarçar minha inquietação. Eu não sabia como as garotas se sentiam quando estavam perto dele, mas tinha visto como se comportavam. Eu estava vivenciando algo mais parecido com uma sensação de náusea e desorientação, em vez de paixonite mesclada com risadinhas tolas, e, quanto mais ele tentava me fazer sorrir, mais perturbada eu ficava.
— Já estou impressionado. Normalmente não tenho para que as garotas venham até o meu apartamento.
— Tenho certeza disso — falei, contorcendo o rosto em repulsa.
Ele era o pior tipo de cara confiante. Não era apenas descaradamente ciente de seu poder de atração, mas estava acostumado com o fato de as mulheres se jogarem pra cima dele, de modo que via meu comportamento frio como um alívio em vez de um insulto. Eu teria que mudar minha estratégia.
América apontou o controle remoto para a televisão e a ligou.
— Tem um filme bom passando hoje na TV. Alguém quer descobrir o que aconteceu a Baby Jane?
Travis se levantou.
Eu já estava saindo para jantar. Está com fome, Flor?
— Já comi — dei de ombros.
— Não comeu, não — disse América, antes de se dar conta de seu erro. — Ah... hum... é mesmo, esqueci que você comeu... pizza, né? Antes de sairmos.
Fiz uma careta para ela, pela tentativa frustrada de consertar a gafe, e então esperei para ver a reação do Travis. Ele cruzou a sala e abriu a porta.
— Vamos. Você deve estar com fome
— Aonde você vai?
— Aonde você quiser. Podemos ir a uma pizzaria.
Olhei para minhas roupas.
— Não estou vestida para isso...
Ele me analisou por um instante e então abriu um sorriso.
— Você está ótima. Vamos, estou morrendo de fome.
Eu me levantei e fiz um aceno de despedida para América, passando por Travis para descer as escadas. Parei no estacionamento, olhando horrorizada enquanto ele subia em uma moto preta fosca.
— Hum... — minha voz foi sumindo, enquanto eu comprimia os dedos dos pés expostos.
Ele olhou com impaciência na minha direção.
— Ah, sobe aí. Eu vou devagar.
— Que moto é essa? — perguntei, lendo tarde demais o que estava escrito no tanque de gasolina.
— É uma Harley Night Rod. É o amor da minha vida, então vê se não arranha a pintura quando subir.
— Estou de chinelo!
Travis ficou me encarando como se eu estivesse falando outra língua.
— E eu estou de botas. Sobe aí.
Ele colocou os óculos de sol, e o motor da Harley rugiu ao ser ligado. Subi na moto e estiquei a mão para trás buscando algo em que me segurar, mas meus dedos deslizaram do couro para a cobertura de plástico da lanterna traseira.
Travis agarrou meus pulsos e envolveu sua cintura com eles.
— Não tem nada em que se segurar além de mim, Flor. Não solte — ele disse, empurrando a moto para trás com os pés. Com um leve movimento de pulso, já estávamos na rua, disparando feito um foguete. As mechas soltas do meu cabelo batiam no meu rosto, e eu me escondia atrás de Travis, sabendo que acabaria com entranhas de insetos nos óculos se olhasse por cima do ombro dele.
Ele acelerou quando chegamos na frente do restaurante e, assim que diminuiu a velocidade para parar, não perdi tempo e fui correndo para a segurança do concreto.
— Você é louco!
Travis deu uma risadinha, apoiando a moto no estribo lateral antes de descer.
— Fui no limite de velocidade.
— É, se estivéssemos numa estrada da Alemanha! — falei, desfazendo o coque para separar com os dedos os fios embaraçados.
Travis me olhou enquanto eu tirava o cabelo do rosto e depois foi andando até a porta, mantendo-a aberta.
— Eu não deixaria nada acontecer com você, Beija-Flor
Passei por ele pisando duro e entrei no restaurante. Minha cabeça não estava muito em sincronia com meus pés. Um cheiro de gordura e ervas enchia o ar enquanto eu o seguia pelo carpete vermelho, sujo de migalhas de pão. Ele escolheu uma mesa no canto, longe dos grupos de alunos e das famílias, e então pediu duas cervejas. Fiz uma varredura no ambiente, observando os pais que tentavam persuadir os filhos barulhentos a comer e desviando dos olhares curiosos dos alunos da Eastern.
— Claro, Travis — disse a garçonete, anotando nosso pedido. Ela parecia um pouco exaltada com a presença dele ali.
Prendi os cabelos bagunçados pelo vento atrás das orelhas, repentinamente com vergonha da minha aparência.
— Você vem sempre aqui? — perguntei em tom áspero.
Travis apoiou os cotovelos na mesa e fixou os olhos castanhos em mim.
— Então, qual é a sua história, Flor? Você odeia os homens em geral ou é só comigo?
— Acho que é só com você — resmunguei.
Ele riu, divertindo-se com meu estado de humor
— Não consigo sacar qual é a sua. Você é a primeira garota que já sentiu desprezo por mim antes do sexo. Você não fica toda desorientada quando conversa comigo e não tenta chamar minha atenção.
— Não é uma manobra tática. Eu só não gosto de você.
— Você não estaria aqui se não gostasse de mim.
Involuntariamente, minha testa franzida ficou lisa e soltei um suspiro.
— Eu não disse que você é uma má pessoa. Só não gosto de ser tratada de determinada maneira pelo simples fato de ter uma vagina. E me concentrei nos grãos de sal na mesa até que ouvi um ruído vindo da direção do Travis, parecido com um engasgo.
Os olhos dele estavam arregalados e ele tremia de tanto rir.
— Ah, meu Deus! Assim você me mata! É isso aí, a gente tem que ser amigos. Não aceito não como resposta.
— Não me incomodo em sermos amigos, mas isso não quer dizer que você tenha que tentar transar comigo a cada cinco segundos.
— Você não vai pra cama comigo. Já entendi.
Tentei não sorrir, mas falhei. Os olhos dele ficaram brilhantes.
— Eu dou a minha palavra. Não vou nem pensar em transar com você... a menos que você queira.
Descansei os cotovelos na mesa para me apoiar.
— Como isso não vai acontecer, então podemos ser amigos.
Um sorriso travesso ressaltou ainda mais suas feições quando ele se inclinou um pouquinho mais perto de mim.
— Nunca diga nunca.
— Então, qual é a sua história? — foi minha vez de perguntar. — Você sempre foi Travis “Cachorro Louco” Maddox, ou isso é só desde que veio pra cá?
Usei dois dedos de cada mão para fazer sinal de aspas no ar quando mencionei o apelido dele, e pela primeira vez sua autoconfiança diminuiu.
Travis parecia um pouco envergonhado.
— Não. Foi o Adam que começou com esse lance do apelido depois da minha primeira luta.
Suas respostas curtas estavam começando a me incomodar.
— É isso? Você não vai me dizer nada sobre você?
— O que você quer saber?
— O de sempre. De onde você veio, o que você quer ser quando crescer... coisas do tipo.
— Sou daqui, nascido e criado, e estudo direito penal.
Com um suspiro, ele desembrulhou os talheres e os endireitou ao lado do prato. Olhou por cima do ombro com o maxilar tenso. Duas mesas adiante, o time de futebol da Eastern irrompeu em uma gargalhada. Travis pareceu incomodado pelo fato de eles estarem rindo.
— Você está de brincadeira — eu disse, sem acreditar.
— Não, sou daqui mesmo — ele confirmou, distraído
— Não, eu quis dizer sobre o seu curso. Você não parece o tipo de pessoa que estuda direito penal.
Ele juntou as sobrancelhas, repentinamente focado em nossa conversa.
— Por que não?
Passei os olhos pelas tatuagens que cobriam seus braços.
— Eu diria que você parece mais do tipo criminoso.
— Não me meto em confusão... na maior parte do tempo. Meu pai era muito rígido.
— E sua mãe?
— Ela morreu quando eu era criança — ele disse sem rodeios.
— Eu... eu sinto muito — falei, balançando a cabeça. A resposta dele me pegou de surpresa.
Ele dispensou minha solidariedade.
— Não me lembro dela. Meus irmãos sim, mas eu só tinha três anos quando ela morreu.
— Quatro irmãos, hein? Como você os mantinha na linha? — brinquei.
— Com base em quem batia com mais força, que era do mais velho para o mais novo. Thomas, os gêmeos... Taylor e Tyler, depois o Trenton. Nunca, nunca mesmo fique numa sala sozinha com o Taylor e o Ty. Aprendi com eles metade do que faço no Círculo. O Trenton era o menor, mas ele é rápido. É o único que hoje em dia consegue me acertar um soco.
Balancei a cabeça, chocada só de pensar em cinco versões do Travis em uma única casa.
— Todos eles têm tatuagens?
— Quase todos, menos o Thomas. Ele é executivo na área de publicidade na Califórnia.
— E o seu pai? Por onde ele anda?
— Por aí — disse Travis.
Seu maxilar estava tenso de novo, e sua irritação com o time de futebol aumentava.
— Do que eles estão rindo? — perguntei, fazendo um gesto para indicar a mesa ruidosa.
Ele balançou a cabeça, claramente não querendo me contar do que se tratava. Cruzei os braços e fiquei me contorcendo, nervosa de pensar no que eles poderiam estar dizendo para deixá-lo tão irritado.
— Me conta.
— Eles estão rindo de eu ter trazido você para jantar primeiro. Não é geralmente... meu lance.
— Primeiro?
Quando me dei conta do que se passava e isso ficou claro na expressão do meu rosto, Travis se encolheu, mas eu falei sem pensar:
— Eu aqui, com medo de eles estarem rindo por você ser visto comigo vestida assim, e eles acham que eu vou transar com você — resmunguei.
— Qual é o problema de eu ser visto com você?
— Do que estávamos falando? — perguntei, afastando o calor que subia pelo meu rosto.
— De você. Está estudando o quê? — ele me perguntou.
— Ah, hum... estudos gerais, por enquanto. Ainda estou indecisa, mas estou pensando em fazer contabilidade.
— Mas você não é daqui. De onde você veio?
— De Wichita. Que nem a América.
— Como você veio do Kansas parar aqui?
Comecei a puxar o rótulo da garrafa de cerveja.
— Só queríamos fugir.
— Do quê?
— Dos meus pais.
— Ah. E a América? Ela tem problemas com os pais também?
— Não, o Mark e a Pam são o máximo. Eles praticamente me criaram. Ela meio que me acompanhou, não queria que eu viesse pra cá sozinha.
Travis assentiu.
— Qual é a do interrogatório? — perguntei.
As perguntas estavam passando de uma conversa sobre assuntos gerais e partindo para o lado pessoal, e eu estava começando a me sentir desconfortável.
Diversas cadeiras bateram umas nas outras quando o time de futebol levantou. Eles fizeram mais uma piada antes de irem andando lentamente até a porta e aceleraram o passo quando Travis se levantou. Os que estavam atrás empurraram os da frente para fugir antes que Travis conseguisse alcançá-los. Ele se sentou, fazendo força para espantar a frustração e a raiva.
Ergui uma sobrancelha
—Você ia me dizer por que optou pela Eastern — Travis continuou.
— É difícil explicar — respondi, dando de ombros. — Só parecia certo.
Ele sorriu e abriu o cardápio.
— Sei o que você quer dizer."


Primeiro capítulo divulgado pela autora. Acesse original aqui.



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