O
Julgamento de Gabriel - Sylvain Reynard
(Série O inferno de Gabriel 02)
Trecho do livro:
"O
professor Gabriel Emerson estava sentado na cama, nu, lendo o jornal
florentino La Nazione. Havia acordado cedo na cobertura Palazzo Vecchio do Gallery Hotel Art e pedira o serviço de quarto, mas não conseguiu resistir à tentação
de voltar para a cama e ficar observando a jovem dormir. Ela estava
deitada de lado, virada para ele, respirando de modo suave. Um diamante
brilhava em sua orelha, suas faces estavam rosadas por causa do calor. O sol entrava pelas janelas panorâmicas, iluminando a cama.
As
cobertas, deliciosamente amarrotadas, recendiam a sexo e sândalo. Seus
olhos azuis brilharam, explorando-a sem pressa, a pele exposta, os
cabelos longos e negros. Quando tornou a voltar sua atenção para o
jornal, ela se mexeu um pouco e gemeu. Preocupado, ele atirou o jornal
de lado.
Ela puxou os joelhos para junto do peito, enroscando-se na cama.
Murmúrios escaparam de seus lábios e Gabriel se inclinou para mais
perto, tentando decifrar o que ela dizia. Mas não conseguiu.
De repente, seu corpo se contorceu e ela deu um grito de cortar o coração.
Seus braços se debateram, lutando com o lençol que a cobria.
– Julianne?
Ele pousou de leve a mão sobre seu ombro nu, mas ela se encolheu ao toque.
Começou a balbuciar o nome dele repetidamente, o tom de voz cada vez mais apavorado.
– Julia, estou aqui – disse ele, elevando a voz.
No instante em que tornou a estender a mão para tocá-la, ela se sentou na cama com as costas eretas, ofegante.
– Você está bem?
Gabriel se aproximou, resistindo ao impulso de tocá-la. Ela respirava
com difi-culdade e, sob o olhar vigilante dele, cobriu os olhos com a
mão trêmula.
– Julia?
Após um longo minuto de tensão, ela o encarou de olhos arregalados.
Ele fechou a cara.
– O que houve?
Ela engoliu em seco.
– Um pesadelo.
– Sobre o quê?
– Eu estava no bosque atrás da casa dos seus pais, em Selinsgrove.
As sobrancelhas de Gabriel se uniram atrás dos óculos de armação preta.
– Por que você sonharia com isso?
Ela respirou fundo, cobrindo os seios com o lençol e levando-o até o queixo.
A coberta, volumosa e branca, engoliu suas formas delicadas antes de
ondular como uma nuvem por sobre o colchão. Aos olhos dele, ela parecia
uma estátua ateniense.
Ele correu os dedos com carinho por sua pele.
– Julianne, fale comigo.
Ela se contorceu sob o seu olhar penetrante, mas ele se recusou a soltá-la.
– O sonho começou muito bonito. Nós fizemos amor à luz das estrelas e eu
adormeci em seus braços. Mas, quando acordei, você tinha sumido.
– Está me dizendo que sonhou que fiz amor com você e depois a abandonei?
– A voz dele ficou mais fria para disfarçar seu desconforto.
– Eu já acordei no pomar sem você antes – disse ela a meia voz, em tom de censura.
O fogo de Gabriel se apagou na mesma hora. Ele pensou naquela noite
mágica seis anos antes, quando eles se conheceram e apenas conversaram e
ficaram abraçados. Ele havia acordado na manhã seguinte e fora embora,
deixando sozinha uma adolescente adormecida. A ansiedade dela era
compreensível e até comovente.
Um a um, Gabriel abriu e beijou os dedos cerrados dela, arrependido.
– Eu amo você, Beatriz. Não vou abandoná-la. Você sabe disso, não sabe?
– Doeria muito mais perder você agora.
Franzindo a testa, ele passou um braço em volta dela, pressionando seu
rosto contra o peito. Uma enxurrada de lembranças lhe invadiu a mente
enquanto ele pensava nos acontecimentos da noite anterior. Tinha visto
Julia nua pela pri-meira vez e a iniciara nas intimidades do sexo. Ela
compartilhara sua inocência com ele, que acreditava tê-la feito feliz.
Sem dúvida havia sido uma das melhores noites da sua vida. Ele refletiu
sobre isso por alguns instantes.
– Você se arrepende da noite passada? – perguntou.
– Não. Estou feliz que você tenha sido o primeiro. Foi o que eu sempre quis, desde que nos conhecemos.
Ele pousou a mão no rosto dela, acariciando sua pele com o polegar.
– É uma honra ter sido o seu primeiro. – Ele se inclinou para a frente, seu olhar fixo. – Mas também quero ser o último.
Ela sorriu e levou os lábios ao encontro dos dele. Porém, antes que
Gabriel pudesse abraçá-la, as badaladas do Big Ben ecoaram pelo quarto.
– Deixe isso para lá – sussurrou ele, irritado, esticando o corpo sobre o dela e obrigando-a a se deitar.
Ela lançou um olhar por sobre o ombro dele, em direção ao iPhone que tocava em cima da mesa.
– Achei que ela não fosse mais ligar para você.
– Não vou atender, então não tem importância. – Ele se ajoelhou entre as
pernas dela e a descobriu. – Na minha cama, só existimos nós dois.
Ela perscrutou os olhos dele enquanto Gabriel colava seu corpo nu ao dela.
Ele se inclinou para a frente a fim de beijá-la, mas ela virou a cabeça.
– Ainda não escovei os dentes.
– Não me importo.
Ele baixou os lábios até seu pescoço, beijando-o e sentindo sua pulsação acelerada.
– Prefiro fazer a toalete antes.
Ele bufou, frustrado, e se apoiou num dos cotovelos.
– Não deixe Paulina estragar as coisas entre nós.
– Não vou deixar.
Ela tentou rolar de baixo dele e levar o lençol, mas Gabriel o agarrou.
Olhou para Julia por sobre a armação dos óculos, os olhos faiscando de
malícia.
– Preciso do lençol para fazer a cama.
Os olhos de Julia se desviaram do tecido branco preso entre os dedos
dele e foram até seu rosto. Gabriel parecia uma pantera prestes a
atacar. Ela lançou um olhar para a pilha de roupas no chão. Estavam fora
do seu alcance.
– Qual o problema? – perguntou ele, contendo um sorriso.
Julia ficou vermelha e segurou o lençol com mais força. Com uma risadinha, Gabriel o soltou e a puxou para seus braços.
– Não precisa ser tímida. Você é linda. Se eu pudesse escolher, você nunca mais se vestiria.
Gabriel pressionou os lábios no lóbulo da orelha dela, roçando o brinco
de diamante. Estava seguro de que Grace, sua mãe adotiva, teria ficado
feliz em saber que Julia recebera seus brincos. Com outro beijo suave,
ele se virou, sentando-se na beirada da cama.
Ela correu para o banheiro, mas não antes de Gabriel conseguir ter um
vislumbre de seu traseiro encantador quando ela largou o lençol,
imediatamente antes de cruzar a porta.
Enquanto escovava os dentes, ela pensou no que havia acontecido. Fazer
amor com Gabriel tinha sido uma experiência muito intensa, e seu coração
ainda estava abalado. O que não era nenhuma surpresa, levando-se em
conta a história dos dois. Ela o desejava desde os 17 anos, quando
haviam passado uma noite inocente juntos num pomar, mas, ao acordar na
manhã seguinte, ele tinha desaparecido. Como estava bêbado e drogado
quando tudo aconteceu, Gabriel havia se esquecido dela. Julia só voltou a
vê-lo depois de seis longos anos, mas ainda assim ele não se lembrou
dela de imediato.
Quando o reencontrou, no primeiro dia do curso que Gabriel ministrava na
pós-graduação da Universidade de Toronto, ele lhe pareceu atraente
porém frio, como uma estrela distante. Na época, não acreditava que
pudessem se tornar amantes. Achava impossível que o professor
temperamental e arrogante correspondesse a seu afeto.
Havia muitas coisas que ela não sabia. O sexo era uma forma de
conhecimento, e agora ela sentia uma pontada de ciúme que nunca havia
experimentado. A simples ideia de que Gabriel havia feito com outra
mulher (no caso dele, com muitas outras) o que fizera com ela lhe dava
um aperto no peito.
Ela sabia que os encontros de Gabriel eram diferentes do que eles haviam
compartilhado – aventuras que nada tinham a ver com amor ou afeto. Mas
ele despira aquelas mulheres, vira-as nuas e as penetrara. Quantas delas
não desejaram mais depois de terem estado com ele? Paulina havia
desejado. Ela e Gabriel tinham mantido contato ao longo dos anos, desde
que perderam o bebê deles.
A nova maneira de Julia encarar o sexo mudou sua compreensão do passado
dele e a tornou mais solidária com o drama de Paulina. E ainda mais
precavida contra perder Gabriel para ela ou para qualquer outra mulher.
Sentindo-se invadida por uma onda de insegurança, Julia se agarrou a uma
das pias do banheiro. Gabriel a amava, ela acreditava nisso. Mas também
era um cavalheiro e por isso jamais revelaria que a relação deles o
deixara insatisfeito.
E quanto ao seu próprio comportamento? Ela havia feito perguntas e
falado em momentos nos quais imaginava que a maioria das amantes teria
ficado calada.
Tinha feito muito pouco para agradá-lo e, quando tentou, ele a impedira.
Julia voltou a ouvir as palavras do seu ex-namorado, girando em sua
mente como gritos de condenação: Você é frígida. Vai ser péssima de
cama.
Ela deu as costas para o espelho, refletindo sobre o que poderia
acontecer se Gabriel estivesse insatisfeito com ela. O espectro da
traição mostrou sua cabeça maléfica, trazendo consigo visões de quando
ela encontrou Simon na cama com sua colega de quarto.
Ela empertigou os ombros. Estava confiante de que, se convencesse
Gabriel a ser paciente e ensiná-la, poderia dar prazer a ele. Gabriel a
amava e lhe daria uma chance. Ela pertencia a ele, como se seu nome
estivesse gravado a ferro e fogo na pele dela.
Quando saiu do banheiro, ela o viu através da porta aberta do terraço.
No caminho, se distraiu com um belo vaso de flores roxo-escuras e lírios
mais claros, matizados, em cima da mesa. Alguns amantes teriam comprado
rosas vermelhas de caules longos, mas Gabriel, não.
Ela abriu o cartão que estava aninhado entre as flores."
Fonte: Saraiva.